quarta-feira, maio 29

Sem resposta (4)

Filomena e Pedro encontraram-se nas semanas seguintes. Iam sempre ao mesmo sítio, em horas praticamente sincronizadas, sentando-se no banco do costume. As muitas vezes que permaneciam em silêncio haviam se transformado agora em momentos de partilha de palavras. Falavam sobre a paisagem, sobre a forma como o rio lhes passava mesmo em frente aos seus olhos e arrancava das margens grãos de terra e ervas daninhas, como o sol lhes incidia nos olhos, mesmo com toda aquela cobertura espessa das imponentes árvores do parque, falavam das pessoas, daquelas que passavam diante deles a andar, a correr, a mancar, a cambalear e das que passaram nas suas vidas e que tal como as do parque, passavam e iam-se embora.
- Eu liguei-lhe, mas ele não me atendeu. Fui ter com ele e olhei-o, mas o olhar dele nunca se cruzou com o meu. Fui atrás dele, mas ele virou-me as costas. - disse-lhe Filomena, em resposta à pergunta que Pedro lhe fizera sobre a última pessoa que a havia desiludido.
- E ele nunca te disse o porquê de te deixar sem uma única resposta?
- Não. Nunca... Tu podes entregar tudo o que tu tens a uma pessoa, podes, inclusive, entregar-te a ti mesmo por completo e, mesmo assim, nada disso te assegura de que ela vá ficar contigo.
- Pois... tu gostavas dele, mas, na verdade, ele não gostava de ti. Se ele tivesse gostado de ti, ele ficava e respondia-te a todas as tuas perguntas, mesmo que não te pudesse oferecer as melhores respostas.
- Sim, acho que foi isso que aconteceu. Eu queria-o, mas ele não me quis. E, agora, apercebo-me que algures no meio do tempo em que o quis tanto, esqueci-me de me querer a mim mesma.
Pedro não sabia bem o que lhe dizer, nunca estivera naquela situação ou em alguma parecida. Ele nunca estivera numa relação que lhe tivesse exigido mais do que aquilo que ele mostrava ser, também porque nunca se dera ao trabalho de se dedicar a outras pessoas que não ele. No entanto, o que ela lhe dizia fazia sentido algures dentro dele, ainda que não como que uma memória do passado, mas como uma possível premonição do futuro. Assim, sem palavras para lhe oferecer, Pedro, assentiu com a cabeça e ela percebeu e continuou.
- Na minha vida, ele foi uma primavera que veio e me cativou com toda uma mescla de aromas e à qual não fui capaz de dizer que não. Prolongou-se num verão que me levou a ver o mar, me envolveu e me fez sentir o sal da vida, até que chegou o outono e ele largou-me e deixou-me cair. Por fim, veio o inverno e cobriu-me com gelo e deixou-me, sem ele e sem mim. Ele foi embora e eu fiquei lá, bem no sítio onde ele me deixou, espezinhada e esquecida.
 

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