terça-feira, novembro 1

O homem que era poeta

Nunca tinha conhecido alguém como Ele. 
O contexto daquela noite era, apenas, um contexto. Não reparei na Lua. Não senti nenhum calafrio. Não foi nada de extraordinário, nem aconteceu algo sobrenatural. 
Pela primeira vez, nada foi forçado, não senti medo, não me senti presa neste meu corpo, não senti necessidade de responder só para quebrar o silêncio de dois olhares e de duas bocas inocentes.
Não consigo esquecer as Suas palavras. Não me consigo esquecer a forma como Ele as sussurrou. Parecia-Lhe tão fácil, tão natural.
Parece estranho, mas quase que tive a certeza de que Ele era poeta. Só um poeta poderia ter colocado nas palavras a tenacidade do sentimento e mágoa que lhe assola o físico e o coração. Só um poeta poderia ser tão inato, tão Ele próprio. Só um poeta não se preocuparia com a ausência da Lua e das estrelas e só ele escolheria um dia ao acaso, sem se importar com as probabilidades deduzidas de felicidade e sucesso. Somente Ele olharia nos meus olhos e me conheceria como conhece a sua própria mão. Apenas Ele se veria no espelho lacrimoso dos meus olhos e faria ter sentido esta colisão de propósitos e mentiras de que é feito o retrato da vida.
Ainda sei de cor o pedido que ele me fez. Sei-o como sei o meu nome. Sei-o como se o tivesse escrito na mão, mas sem caneta. Sei-o como se o tivesse memorizado, mas sem nunca ter pensado nele. Sei-o como como sei que o céu é azul e como sei que a terra não é água. 
Já me tinham perguntado antes quais eram os meus sonhos, mas nunca me tinham pedido que os mostrasse. 




Sem comentários: